UM CASAL JOVEM

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Roberto, com 25 anos, era secretário da Igreja em Katentu e membro do grupo coral. Disse-me que se ia casar. Ainda lhe perguntei se já tinha casa e se ia conseguir manter a mulher. Lá respondeu que o negócio que faz com produtos do Congo lhe dão dinheiro suficiente para viver. A esposa é uma jovem de 18 anos, filha do catequista de Kafwena. Seguindo a tradição comum a Lambas, Kaondes e Bembas, ao casar-se, o Roberto foi viver para junto dos sogros, numa cabana construída à pressa e coberta com um toldo.
Passados uns dois meses, os pais dele informaram-me que a mulher estava seriamente doente devido a um aborto espontâneo.
Durante a minha visita a Kafwena, o Roberto pediu-me para lhe abençoar a casa, pois andavam amedrontados com ruídos estranhos que os não deixavam dormir em paz. E foi então que, aos poucos, fui sendo informado da situação por que estavam a passar. A Rosa, já noiva do Roberto, foi violada por um homem, que fugiu. O Roberto disse que lhe perdoou e que ela havia de ser a sua esposa. Passado algum tempo, a Rosa descobriu que estava grávida e, aos seis meses de gravidez, teve um aborto espontâneo. No Centro de Saúde local, tiveram receio de que algo tivesse ficado no útero e mandaram-na para Chililabombwe, onde fez uma ecografia, revelando que tudo estava normal. Três meses depois casaram-se e ela começou a ter problemas. Levaram-na ao Congo, a uns pentecostais, a fim de rezarem por ela e agora diz que se sente bem.
Na Província do Noroeste que constitui a Diocese de Solwezi, casamentos precoces de gente ainda muito jovem são comuns. E os casos de violação também são muitos, embora a maior parte passe em silêncio ou seja encoberto com um arranjo familiar, em que o culpado paga uma soma relativamente pequena. Muitas vezes, como aconteceu com a Rosa, a moça fica traumatizada e isso vai afectar a sua auto-estima e o seu relacionamento, principalmente o relacionamento sexual com o marido. Na maior parte dos casos, a maneira como o traumatismo se revela é atribuída a possessão diabólica ou ao feitiço e daí o recurso ao bruxo ou a grupos pentecostais ou carismáticos, que prometem expulsar todos os demónios e curar todos os males que eles atribuem aos maus espíritos.

VISITA A LWAMFULA: UM ANIVERSÁRIO DIFERENTE

IMG_3211 IMG_3276Lwamfula significa “Do lado da chuva”, e é o nome de um corgo e de uma aldeia ao lado desse corgo,  bem como o nome da zona do Distrito de Solwezi (na Zâmbia), que fica para lá do rio Kafue. Quando se fala de Lwamfula, fica-se com a ideia de um lugar distante, isolado e de acesso difícil. Ainda me lembro de quando o P. Horácio Botelho se decidiu a responder ao apelo dos cristãos dessa zona e foi passar uns dias com eles, para depois de alguns dias do seu regresso ir para o hospital com um ataque sério de malária. Lwamfula soa  como se ficasse nos confins do mundo, mas afinal é relativamente perto, a cerca de 60 quilómetros de Chililabombwe; contudo, principalmente na época das chuvas, é difícil de chegar lá. Para irem a Solwezi, ou simplesmente para virem à Paróquia de Sta. Doroteia, têm de atravessar o rio Kafue, que engrossado com as chuvas inunda a planície e demora três horas a atravessar de canoa. De carro, só dando uma volta de 170 quilómetros, através de Chililabombwe; uma viagem quase impossível durante a estação das chuvas. Devido ao rio que as separa do resto do Distrito, as gentes de Lwamfula voltam-se para o Congo, de maneira que o Franco Congolês é a moeda corrente nas suas transações diárias, sendo também a moeda usada no ofertório e nas contribuições para a Igreja.

Já fui três vezes a Lwamfula. Uma vez, por Chililabombwe, com os últimos 60 quilómetros num constante balouçar, alternando entre a primeira e a segunda velocidade, virando à direita e à esquerda, sempre à procura de um lugar para passar sem danificar o carro. Na semana passada, de 10 a 12 de Outubro, fui lá pela terceira vez, fazendo uma caminhada de duas horas e quarenta e cinco minutes, desde as 14 às 17 horas, com o sol de Outubro, o mês mais quente do ano. De regresso, trouxeram-me de moto até ao rio, o que facilitou a viagem. Mas chegados ao rio, não havia ninguém para nos passar de canoa. Eu lá atravessei, passando por uns paus quase à tona da água. O P. Brian também passou e conseguiu depois conduzir a canoa, trazendo assim alguns jovens que nos tinham acompanhado.

E esta foi a forma de celebrar o meu aniversário, louvando o Senhor pelos 66 anos que já vivi, dos quais 34 foram passados na Zâmbia ao serviço do Evangelho de Jesus Cristo.

Lwamfula e Kafwena, as duas aldeias que visitei, representam desafios especiais à evangelização e ao trabalho pastoral. A população desta zona é da tribo Lamba. Não têm residência permanente e por isso a maioria das casas são como cabanas, usadas unicamente para passar a noite. Quando alguém morre, a família abandona o lugar e muda-se para outro sítio. Isso torna difícil o governo planear a construção de escolas e de Centros de Saúde. Em geral, os casamentos são muito precoces, e a maioria não acaba a escola. Em Lwamfula, o catequista tem duas mulheres, e a primeira mulher com a qual recebeu o sacramento do matrimónio, é a presidenta da comunidade. Vivem uma ao lado da outra, como se fossem irmãs, sem ciúmes, invejas ou ódios. Várias vezes disse a membros da comunidade que ele não pode ser catequista e não pode presidir à celebração dominical da palavra, mas respondem que não há mais ninguém que possa ler, pois os que sabem ler já perderam a vista. E lá continua ele, levando outros a dizer que os católicos já aceitam a poligamia. É como diz o provérbio: em casa de cegos, quem tem olho é rei.

Em Kafwena, a situação não é melhor. O catequista está casado pela Igreja, mas só ele e a mulher é que comungam; o resto dos responsáveis nem sequer estão batizados. Ao menos em Lwamfula, há um grupinho que recebe a comunhão. E as outras aldeias da Paróquia não estão em situação melhor, quanto a compromisso e a testemunho da fé. Todas as comunidades dependem muito do assim chamado catequista, e quando ele não é comprometido e dedicado, toda a comunidade fica apática, tornando-se incapaz de ser fermento e sal no meio do povo.

O caixão que se move…

Kikondo em Kaonde significa a casca de árvore que antigamente era usada como caixão. Hoje em dia, chamam kikondo – ou o caixão que se move – ao que acontece em muitos funerais, quando os que levam o caixão ao ombro começam a correr de um lado para o outro, da direita para a esquerda, e de trás para a frente, até baterem com ele em alguém. Quando se ouve falar do caixão que se move, a gente fica a pensar que talvez o caixão se mova sozinho, mas ele é levado ao ombro, normalmente por três homens, dois à frente e um atrás. São que eles que se movem e põem o caixão num rodopio.

Segundo a crença traditional, toda a morte é homicídio, quer dizer, não há ninguém que morra de morte natural. Se alguém morre, é porque o mataram com poderes mágicos, através do feitiço. E por isso, é preciso descobrir quem o enfeitiçou, com a ajuda de pós e ervas que colocam no caixão, gritando: procura, procura. Segundo o pensar tradicional, o morto recusa-se a ser enterrado até encontrarem quem o matou, forçando os que levam o caixão a correr de lado para lado, até descobrirem quem o matou.

Dizem que a tradição é originária dos Lambas, mas é igualmente comum entre os Kaonde, e, por vezes, também é seguida por gente de outros grupos que vivam no meio dessas duas tribos. É prática comum recorrer ao bruxo, em caso de doença prolongada e principalmente em caso de morte, para saber donde vem o feitiço que causa tanto sofrimento. O bruxo normalmente nomeia um membro da família, como os avós, os tios ou tias e até os pais, um um vizinho.

Os acusados de feitiço na morte de alguém passam maus momentos; podem bater-lhes e até matá-los. E é pior ainda se negam a acusação. Quando aceitam que usaram feitiço, têm de pagar, e por vezes tiram-lhes a comida,  os animais, a bicicleta ou tudo o que tiverem de valor. Passado o funeral, terão de pôr a trouxa aos ombros e ir viver em qualquer outro lugar, onde a má fama de serem feiticeiros chegou ainda primeiro do que eles. Na aldeia onde foram acusados, não podem ficar, porque se sentem excluídos e rejeitados por toda a gente. Ao sofrimento da morte, que devia ser ocasião para mostrar compaixão e misericórdia, adiciona-se o sofrimento nascido do ódio e da divisão. Comunidades são destruídas e famílias ficam divididas. Campos e aldeias são abandonados, e os acusados são obrigados a procurar refúgio em outro lugar, para aí reiniciar a sua vida.

Sempre que vem a propósito e muitas vezes a despropósito, anuncio a mensagem libertadora da Ressurreição, falando sobre o Kikondo e apresentado claramente o sofrimento e a opressão que ele traz. Há cristãos que rejeitam o Kikondo, mas muitos não têm a coragem de se oporem e podem também tornar-se vítimas, sendo acusados de bruxaria. Segundo a lei Zambiana, é crime acusar quem quer que seja de feitiçaria; mas a maioria não tem a coragem de levar o caso a tribunal. A maioria dos Régulos não se preocupa, até porque os acusados são condenados a trabalhar nos campos do régulo por um ou dois meses. É maneira fácil de ter trabalhadores sem precisar de lhes pagar.

Esta mentalidade, em que o espírito e o coração das gentes estão cativos e vivem num medo constante do feitiço, é um dos grandes factores a dificultar o desenvolvimento e o progresso. É preciso que a mensagem libertadora de Jesus Cristo ilumine os corações e as mentes das pessoas, tornando possível a esperança.

MUDANÇAS NA IGREJA DE LUBENGELE

De Santa Doroteia, a paróquia em que trabalho, a Chililabombwe são cento e dez quilómetros, o que é relativamente perto para as distâncias daqui, principalmente na Província do Noroeste, embora se torne longe devido ao mau estado da estrada. Há dias, fui a Chililabombwe para o funeral da mãe do Pe. Chungu, missionário na Nigéria. Tive a alegria de rever e de cumprimentar muita gente, e pude ver as mudanças que estão a ser feitas na igreja. LUB CHURCH

A igreja de Lubengele foi construída pelo Pe. Mizzi, um Franciscano a quem o povo chamava Katyetye, que é o nome de um pássaro semelhante ao pardal, por andar sempre a saltitar. Quando entrei na igreja pela primeira vez, vi um espaço enorme, entre quatro paredes com um telhado por cima, parecendo mais um salão do que uma igreja, deixando uma impressão de vazio, sem qualquer sentido de sagrado. Ao domingo, porém, com a igreja cheia, era completamente diferente, transformando-se num espaço cheio de vida.

Durante a minha permanência na Paróquia, a igreja manteve a estrutura original com mudanças mínimas. Aumentou-se o espaço para reuniões, criando um primLUBE, ALTAReiro andar na sacristia. Devido ao roubo do sacrário, modificou-se completamente essa área, pondo o sacrário embutido na parede. Além disso, construímos quartos de banho e no adro da  igreja construímos uma plataforma para as grandes celebrações ao ar livre.

Depois da minha saída, o Pe. Kunda modificou completamente a sacristia e agora o Pe. Kolala decidiu-se a embelezar a igreja, mudando as janelas e as portas, abrindo mais duas portas laterais. JANELAS O trabalho ainda não está acabado, mas sem dúvida que a igreja vai ficar muito melhor. É com agrado que se vê o povo preocupar-se não só com a manutenção, mas também com o embelezamento das suas igrejas. É  porém necessário que, ao mesmo tempo, se dedique ainda mais atenção à construção da comunidade viva, estando atentos à catequese, à juventude, às famílias e aos pobres, órfãos e viúvas na Paróquia.

A propósito da morte do sr. Muzhama

À noitinha, recebi um telefonema do Vigário Geral, Pe. Chola, que foi Pároco de St. Doroteia, a dizer-me que o Sr. Muzhama tinha morrido.

Em fins de Agosto, fui celebrar missa a Kabisapi, a uns quarenta quilómetros do centro da Paróquia, a meio caminho de Solwezi. Acabada a missa, apresentaram-me o problema de um casal em que a esposa tinha levado o marido a tribunal a pedir o divórcio. Foi então que conheci o sr. Muzhama, um homem já de idade avançada. A mulher, mas mais nova que o marido, mas também avançada em idade, essa foi  preciso chamá-la. Seguindo a tradição, a discussão de problemas matrimoniais nunca é feita em privado, e assim a conversa teve lugar na presença dos responsáveis da comunidade.

O sr. Muzhama foi o primeiro a falar, apresentando as suas queixas. Está velho e sem forças, e a mulher abandonou-o, deixando-o sozinho, sem ninguém para acartar a água e lhe fazer a comida. Ela pediu o divórcio e levou-o a tribunal. Acusou também a mulher de pôr os filhos contra ele, e a família dela  aconselhava-a a abandoná-lo dizendo que ele era mau.

De seguida, a mulher apresentou as suas razões. Casaram-se em 1957, quando ela era ainda criança. Tiveram quinze filhos, dos quais onze estão vivos. Viveu todos estes anos a ser insultada e espancada. Várias vezes levaram o caso ao Chefe, com poucos resultados. Em tempos, quis deixá-lo, mas a família aconselhou-a a voltar, por causa dos filhos. Agora andava sempre a acusá-la de ter amantes e até de andar metida com o seu neto. A vergonha e opróbrio são grandes de mais. É melhor viver sozinha do que sofrer esta ignomínia e ainda por cima ser espancada.

Alguns dos responsáveis da Igreja tentaram convencê-la a voltar a casa e a manter as promessas do casamento, mas ela estava decidida, e não ia voltar atrás. O sr. Muzhama defendia-se que não lhe batia, mas todos diziam que era verdade, e que o problema está na bebedeira. Ele bebe, e quando bebe, bate na mulher e torna-se ciumento, vendo homens, onde não há ninguém.

O sr. Muzhama precisava de uma criada que tomasse conta dele, e era para isso que queria a mulher de volta, e não como a companheira que ama e com quem ele partilha a vida. Disse-lhe que para a mulher considerar o regresso a casa, ele tinha de deixar de beber, e precisava de reconhecer as suas falhas e pedir desculpa à mulher pelos insultos e pelas pancadas. À mulher, disse-lhe que retirasse o caso do tribunal. Era vergonhoso com a idade que têm andar pelos tribunais a pedir o divórcio. Não sendo capazes de viver juntos, que ficassem assim separados para dar tempo ao coração acalmar e ter a possibilidade de se reconciliarem, que era afinal o que os filhos queriam.

Ouvi depois que ela não retirou o caso do tribunal, e que o tio e os irmãos a encorajavam a obter o divórcio. Quando ela foi a Solwezi, os filhos reuniram-se e disseram-lhe que voltasse para casa a viver com o pai, se queria que continuassem a ajudá-la e a visitá-la.

Fiquei chocado, quando recebi a notícia de que o sr. Muzhama tinha morrido. O sentir-se abandonado e rejeitado foi peso a mais que ele não conseguiu suportar, e o coração deixou de bater. 

Situações destas são bastante comuns. Facilmente se encontram mulheres que, quando experimentam o sossego de viver sozinhas, não querem voltar para os insultos e as pancadas do marido. Quando o sr. Muzhama morreu, a família dele deitou as culpas à mulher por o ter abandonado, mas os culpados são muitos, e eu mesmo me sinto culpado, por não ter sido capaz de os ajudar a reconciliar-se. Que o Senhor – ele que lê no mais íntimo dos corações – o acolha no seu reino.

EM MEMÓRIA DO Pe. FRANCISCO GODINHO

Mais velho em idade, o Pe. Godinho entrou mais tarde para o Seminário e foi ordenado depois de mim. Ainda me encontrou em Valadares, onde completei o curso teológico, e depois veio encontrar-me na Diocese de Nampula, em Moçambique. Lembro-me especialmente da visita que fiz ao Mutuali, para passar uns dias com ele. Estava à minha espera na estação do Mutuali, onde cheguei de auto-motora. O governo da FRELIMO tinha nacionalizado a residência paroquial, juntamente com as escolas. Às irmãs, que também tinham sido despojadas da sua casa, foi oferecida uma outra residência, já que uma delas era enfermeira no posto clínico da missão, também nacionalizado. O padre, esse ficou temporariamente à mercê do acolhimento oferecido pelas irmãs. Mas ao Pe. Godinho nada lhe metia medo e, sendo um homem imensamente prático, construiu a sua casa de pau a pique com cobertura de capim, à maneira do povo com quem vivia, com a grande diferença de que era espaçosa e bem construída, capaz de enfrentar os vendavais e as chuvas torrenciais que são comuns nos trópicos. E foi ele que fez a maior parte do trabalho.

Imediatamente a seguir à independência, à maior parte dos padres foi pedida a colaboração de serem professores nas escolas. O Pe. Godinho era um professor comprometido, que se preocupava com os alunos, pondo a sua iniciativa e imaginação ao serviço da escola, dando sugestões na parte agrícola e na manutenção das construções, o que muitas vezes não era bem aceite pelos responsáveis da escola. Preocupa-se com a formação artística dos alunos, ensinando-lhes como usar os materiais proporcionados pela floresta. Com as flores das diversas plantas, ele preparava as cores necessárias para o desenho e a pintura.

Foi nessa visita que a irmã Lucinda partiu a perna. Impressionou-me a rapidez com que reagiu, correndo a prestar socorro e a minorar a dor da irmã. O acidente encurtou a minha  visita, pois acompanhei a irmã Lucinda na ambulância, desde Mutuali até Nampula.

Passado algum tempo, eu fui obrigado a sair de Moçambique, enquanto o Pe. Godinho por lá ficou, sempre comprometido com a missão e sempre ao serviço do Evangelho. Eu vim para a Zâmbia, para uma situação bastante diferente daquela em que vivi em Moçambique. Daí para cá os contactos foram poucos. Em 2011, encontrámos-nos em Lisboa, quando fomos os dois de férias. Fui com ele comprar o computador e ajudei-o a abrir uma conta no Google. E conversámos, principalmente da missão, sempre preocupado em descobrir material que o pudesse ajudar na formação dos alunos no seminário e na formação da fé nas comunidades cristãs.

Em 2013, encontrei-o em Cucujães, aparentemente a recuperar bem da cirurgia a que tinha sido sujeito. Andava sempre a falar do regresso a Moçambique e da continuação do trabalho apostólico. Com acesso fácil à internet, andava sempre à procura de páginas que lhe facilitassem o trabalho e que contribuíssem para o seu esforço de evangelização.  Eu voltei para a Zâmbia; ele ficou em Cucujães, à volta dos médicos que o iam sujeitar a nova intervenção cirúrgica, desta vez ao fígado, que já estava afectado. Apesar de tudo, ele continuava confidente, sonhando com o regresso à missão.

Do amigo Pe. Godinho fica a imagem do missionário comprometido, que levou uma vida simples e pobre, sempre disposto a comunicar a palavra de Deus e a anunciar a Boa Nova do amor misericordioso de Deus em linguagem simples e acessível. Deu-se até ao fim e esgotou-se ao serviço do Evangelho. Apesar de chamado à casa do Pai, onde celebra a festa da salvação e da vida, ele permanece um exemplo de doação total.

Nakalebalika ku Mfumu! Como é resplandecente a glória do Senhor!

Não apagueis o Espírito – 1 Tes 5:19

Em Novembro de 2013, tive de ir a Lusaka, para obter o meu cartão de residência; e isso deu-me oportunidade para passar uns dias com o Pe. Horácio Rossas, Pároco de Lilanda, e missionário comboniano, natural de Penude, onde é Pároco o meu condiscípulo Pe. Adriano. Afinal somos quase vizinhos, pois de Tarouca a Penude é só um saltinho. O Pe. Horácio tem um blog com o nome de Zikomo, escrito em Português. Por outro lado, o meu é em Inglês, com o título de Sangalala, já que a maior parte dos meus leitores vivem na Zâmbia. E foi quando ele me aconselhou a manter um blog também em Português, com memórias da missão. A ideia ficou e foi amadurecendo, até que finalmente me decidi a tentar.

À procura dum título para o blog, ainda pensei em usar uma palavra Bemba, como amalumbo, que significa glória our louvor, ou a palavra correspondente em Kaonde, lukumo, que tem o mesmo significado. Mas decidi-me por Sopros do Espírito. É verdade que por vezes o Espírito de Deus se faz sentir com um vendaval que tudo abana e deita por terra o que não está seguro; no entanto, a maior parte das vezes, a voz do Espírito é a voz do silêncio ou o leve sussurrar da brisa que passa, refrescante e consoladora. O Espírito trabalha silenciosamente, transformando-nos a partir de dentro, desde que os nossos corações estejam abertos e atentos aos seus sopros. Uma vez atentos à voz do Espírito, sentimos os desafios que ele nos lança, vindos donde menos esperamos.

Se é verdade que encontramos muitos costumes, tradições e crenças que são incompatíveis com a fé em Jesus Cristo, também é verdade a ação do Espírito sempre esteve presente e criou valores que são verdadeiramente cristãos.

E então Elias ouviu o murmúrio de uma brisa suave.