PÁSCOA – A FESTA DA LIBERTAÇÃO E DA VIDA

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O Cristo Ressuscitado – pintura do túmulo na Igreja Paroquial de Tarouca.

Através dos tempos, muitos povos fizeram a experiência da libertação, rejeitando a escravidão e ganhando autonomia e independência. Mas o povo de Israel foi o primeiro a fazer uma reflexão sobre a sua libertação, deixando por escrito às gerações futuras a experiência que eles consideraram extraordinária. Não foi pela força das armas ou pela coragem, pela ousadia e pela inteligência que eles se livraram da escravidão. Se eles conseguiram a liberdade, isso deveu-se a um chamamento gracioso e amoroso de Deus, que os protegeu e os conduziu à terra prometida. Na sua caminhada de libertação, eles deram-se conta de que ela não é só nem é principalmente política, como também não se reduz ao bem-estar económico. Para vivermos em liberdade, precisamos de reconhecer e de aceitar os planos de Deus que são planos de amor e de paz. E porque Ele é santo, o Se-nhor faz-nos compreender que só encontramos a verdadeira liberdade quando vivemos num povo de gente livre. A Páscoa judaica celebrava a passagem da escravidão à liberdade. Jesus, com a sua morte e ressurreição, traz a nova Páscoa, em que passamos da escravidão do pecado à liberdade dos filhos de Deus, sendo recriados de novo, para que a glória de Deus brilhe em nossos rostos. Na grande vigília pascal, cele-bramos a luz e escutamos a palavra do Deus que nos afirma e nos enche de esperança. Renovamos o compromisso do nosso batismo e sentamo-nos à mesa do Senhor para com ele celebrarmos a vitória da vida sobre a morte. Aleluia! Aleluia!

 

Celebrando a ressurreição e a vida, cantemos todos: Aleluia! Aleluia!

UM SANTO NATAL E UM FELIZ ANO NOVO

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Com o extâse de Maria

e a simplicidade de José,

aproximemo-nos do Menino

nascido pobre e humilde,

ignorado pelos sábios e poderosos,

mas reconhecido, amado

e adorado

pelos que se deixam tocar

pelo mistério da vida

na qual experimentam

as maravilhas do Senhor

que nos vem salvar.

Feliz Natal – P. Guedes

CELEBRANDO A RESSURREIÇÃO

RISEN 279e9ff2f88ed79e4977de0cd8ace07.jpgA Páscoa é a festa das festas. Desde o início do Povo de Israel que ela era a festa da libertação. Para os cristãos, a Páscoa é a festa da salvação em Jesus Cristo. Ela é a festa na qual celebramos o mistério pascal: a morte e ressurreição de Jesus Cristo. É a festa da vitória do amor sobre o ódio e da vida sobre a morte. Cantando um hino de vitória, S. Paulo escreveu:

“A morte foi tragada pela vitória.

Onde está, ó morte, a tua vitória?

Onde está, ó morte, o teu aguilhão?

O aguilhão da morte é o pecado

e a força do pecado é a Lei.

Mas sejam dadas graças a Deus  que nos dá a vitória.” (1 Co 15,55-57)

Depois do anoitecer de Sábado, que já é o primeiro dia da semana ou seja o Dia do Senhor, na Vigília Pascal, celebramos a Ressurreição de Cristo em quatro momentos celebrativos: a) a celebração da luz com a proclamação pascal; b) a proclamação da Palavra de Deus; c) batismo e a renovação das promessas batismais; d) a Ceia do Senhor.

  1. O fogo e a luz são sinais fáceis de entender em todas as culturas. Reconhecidos como sinais do Espírito, do poder e da glória de Deus. O fogo é sinal do amor que purifica e transforma. E a luz fala-nos da verdade e do bem. Cristo é proclamado como a Luz, sendo ao mesmo tempo proclamado como sendo Ontem e Hoje, o Princípio e o Fim, o Alfa e o Omega. Ele é o Centro do Universo e dele tudo recebe a existência e o significado.
  2. As Escrituras falam de Cristo e levam-nos ao encontro com Cristo. Toda a história da salvação está voltada para Cristo e Cristo é o culiminar dessa história. Lembramos o passado para compreendermos o presente e aprendemos como é que Deus foi manifestando a sua presença e a sua ação salvadora na história dos homens. É sempre a palavra de Deus que dá sentido às nossas vidas e ao nosso caminhar para a vida de plenitude em Cristo. Por isso, escutamos a Palavra.
  3. No batismo, fomos enxertados em Cristo, fazendo com ele a experiência da morte e da ressurreição. No batismo, nascemos de novo pela força do Espírito que nos torna um com Cristo, fazendo de nós filhos de Deus, chamados à mesma glória com Cristo. Por isso, lembramos o batismo e renovamos as nossas promessas batismais.
  4. Por fim, celebramos a Ceia do Senhor, seguindo o seu exemplo e obedecendo ao seu mandamento. Com ele oferecemos o sacrifício de ação de graças (eucaristia) e sentamo-nos à sua mesa para sermos alimentados com o pão do céu, o seu corpo e o seu sangue.

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,

porque é eterna a sua misericórdia.

Diga a casa de Israel:

é eterna a sua misericórdia.

 

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

A mão do Senhor fez prodígios,

a mão do Senhor foi magnífica.

Não morrerei, mas hei-de viver

para anunciar as obras do Senhor.

 

Aleluia! Aleluia! Aleluia!

A pedra que os construtores rejeitaram

tornou-se pedra angular.

Tudo isto veio do Senhor:

é admirável aos nossos olhos. (Salmo 118,1-2.16ab-17.22-23)

 

S. João Damasceno compôs o Cánone da Páscoa, cantado aqui em melodias e línguas diferentes:

O dia da Ressurreição,

Sede radiantes, ó povos!

Páscoa, a Páscoa do Senhor;

pois Cristo Deus trouxe-nos

da morte para a vida,

e da terra para o céu,

enquanto cantamos a canção triunfal.

Glória à tua santa ressurreição, ó Senhor. (S. João Damasceno)

 

Desejo a todos uma Santa e Feliz Páscoa.

INSTRUÇÕES PARA A VIDA EM FAMÍLIA

Na celebração da Festa da Sagrada Família, a Igreja oferece-nos um texto da carta de S. Paulo aos Colossenses que é como a cartilha de Paulo para a vida em família e para a vida na comunidade. Paulo aconselha a enchermo-nos da misericórdia, da bondade e da humildade; do perdão e da reconciliação, e tudo isto sendo guiados e motivados pelo amor, que é como um sobretudo que se veste por cima de tudo a fim de tudo aperfeiçoar. Paulo aconselha ainda uma atitude de ação de graças, mantendo a paz e sendo guiados pela Palavra de Cristo, de maneira a fazermos tudo em seu nome.

Ao refletir sobre a família, vieram-me à mente as famílias zambianas e o muito que aprendi com elas. Para o Africano, seja ele Zambiano, Angolano, Moçambicano, Congolês ou de qualquer outro país, a família é sempre uma comunidade alargada, a comunidade de todos aqueles que ainda podem traçar a sua origem comum. É uma família alargada, que vai para além dos pais e dos irmãos. Para a constituição dessa família, o casamento fornece os blocos essenciais. E daí que se prestasse muita atenção ao casamento, que nunca era assunto individual do homem e da mulher que se casam; pelo contrário, o casamento involve as famílias dos dois lados e a comunidade a que essas famílias pertencem. Os noivos tinham de ser instruídos e preparados para se tornarem capazes de constituir um novo lar e viver de maneira harmoniosa, contribuindo para a paz e o bem-estar de toda a comunidade.

As instruções eram dadas principalmente através de canções repetidas até ficarem na memória de maneira indelével. Havia canções sobre os mais variados temas, desde o relacionamento com os sogros até às atitudes de mútuo respeito para manterem a união e crescerem no amor. Da muitas canções que tenho escritas, vou apresentar algumas que podem dar uma pequena ideia da riqueza dessa sabedoria tradicional.

Cantando para a jovem que se vai casar, as instrutoras falam-lhe da dignidade que vai receber, uma dignidade que lhe é concedida por Deus. Afinal, o casamento não é algo simplesmente humano, mas o próprio Deus está envolvido nele e é bom estar consciente disso.

Bamuteka pa kapuna,               Assentam-na no banquinho,

Ni Lesa wamusansabika.         Deus é quem a eleva.

Há uma outra canção que também fala de Deus fazendo referência à fecundidade que é como um celeiro e o cereal aí guardado foi cultivado por Deus:

Butala Lesa walima                                     O celeiro Deus é quem cultivou

Namwelenganya nshenda  na butala       ó sonhadora eu não ando com o celeiro

 Lesa walima                                                Deus é quem cultivou.

A vida é sempre um dom de Deus, embora ele tenha em nós o celeiro onde ele guarda as sementes da vida.

Há várias canções onde é posta uma grande ênfase na necessidade do respeito mútuo, havendo canções que se dirigem ao marido e outras que instruem a mulher:

Balume bali ne ciwowo                             O meu marido sempre a zangar -se,

Ciwowo, ciwowo ndeya                             a zangar-se, a zangar-se, e eu vou-me.

Kabili babwesho mucinshi                        Então começou a mostrar-me respeito

kanjikale, kanjikale balume bandi.          E eu fico, eu fico, ó meu marido.

A mulher queixa-se que o marido anda sempre zangado, sempre aos berros e sempre a insultá-la, a ponto de ela decidir sair de casa. Mas o marido mudou de atitude e começou a respeitá-la, e por isso ela fica. Muitas vezes, as canções têm variantes que podem ser cantadas uma a seguir à outra.

Balume bandi                      Marido meu,

Balume bandi                      Marido meu,

banjebe ciwowo,                 insultou-me

ciwowo ndeya ine               insultos, eu vou-me.

balume bandi                     Marido meu

banjebo mucinshi              falou-me com respeito

kanjikale                             e eu fico

kanjikale balume bandi   eu fico, marido meu.

Acontece também que algumas mulheres não só não respeitam os seus maridos, como podem pôr em perigo a sua vida. E é a isso que se refere a canção seguinte:

Canga na mwele                    Brincas com a faca

Canga na mwele                    brincas com a faca,

 mukashi wandi                    ó esposa minha

Canga na mwele,                   brincas com a faca

Canga na mwele                    brincas com a faca

ukanjipaya.                             um dia vais matar-me.

No entanto, tradicionalmente, a mulher tinha uma posição inferior ao homem, e isso é bem expresso na seguinte canção:

Cibale Cibale                               Chibale, Chibale

Kasambe mulume,                      lava o marido,

We cinangwa,                              ó inútil,

Na panshi utote,                          no chão deitada bate palmas,

We cinangwa,                              ó inútil,

Cibale, Cibale                                Chibale, Chibale

Chibale é o nome duma rapariga e chamam-na de inútil; ela esquece-se do seu dever de dar banho ao marido, uma vez que é dever dela aquecer a água para o marido tomar banho e ajudá-lo no que for preciso. E depois de fazer todo esse trabalho, deve deitar-se no chão e bater palmas em sinal de agradecimento e de subserviência.

tortoise.jpgFinalmente, apresento uma outra canção que fala sobre o relacionamento com os outros. É preciso agir sempre com discrição, sem se intrometer na vida dos outros.

Fulwe pa fyakwe                                                 A tartaruga nas suas coisas

aingisha umukoshi mu cifwambako                mete a cabeça na carapaça

pa fya banankwe                                                 nas dos outros

akolomono mukoshi mu cifwambako.             estica o pescoço fora da  carapaça.

giant-tortoise.jpgNinguém vive sozinho, isolado como se fosse uma ilha. Fazemos parte de uma família e de uma comunidade e precisamos de estar preparados para viver num relacionamento harmonioso.

VEM, MENINO JESUS

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Vem, Menino Deus,

sentar-te em nosso colo

e aquecer nossos corações gelados.

 

Vem, Menino Jesus,

dar luz aos nossos olhos cegos

e abrir nossos ouvidos surdos.

 

Vem, Menino Deus,

alimentar os nossos sonhos

semeados na esperança da vida.

 

Vem, Menino Jesus,

fazer dos nossos corações

a tua morada eterna.

Desejo a todos um Santo e Feliz Natal

e um Ano Novo cheio das bênçãos do Menino Deus.

P. José Santos Guedes

EXULTO DE ALEGRIA NO SENHOR

Na carta aos Tessalonicenses, Paulo aconselha-nos a viver alegres, falando como se esse fosse o nosso dever: “Vivei sempre alegres” (1 Tes 5,16). É por isso que em português se diz que um santo triste é um triste santo.

O cristão, consciente de ser amado por Deus, é alguém capaz de celebrar esse amor e de fazer da vida uma festa, mesmo quando encontra problemas e dificuldades. Não é a loucura ou a estupidez de quem não consegue ver a realidade crua e nua da dor e do sofrimento duma vida que corre para a morte, mas é a confiança nascida da esperança de que a morte será vencida e de que nós participaremos dessa vitória.

O profeta Isaías apresenta-nos essa atitude alegre e festiva, quando escreve:

“Exulto de alegria no Senhor,

a minha alma rejubila no meu Deus,

que me revestiu com as vestes da salvação

e em envolveu num manto de justiça”. (Is 61,10)

Não é de surpreender que a dimensão festiva seja tão importante na liturgia da Igreja. Cada domingo é um dia de festa, em que nos reunimos para celebrar a ressurreição do Senhor e reafirmar a fé na nossa ressurreição. Foi por isso que o Concílio de Niceia em 325 dc, no seu cânone 20 determinou: “Uma vez que há alguns que se ajoelham ao domingo e durante o tempo do Pentecostes, a fim que a mesma prática seja mantida em todas as dioceses, este sínodo sagrado decreta que as orações ao Senhor se devem oferecer de pé.”

E depois há as grandes festas. Antes de mais, a Páscoa que continua em celebração festiva até ao Pentecostes. E também o Natal, que nos preparamos para celebrar como festa da Encarnação ou seja a festa de um Deus que por amor se faz homem para nos elevar até à sua divindade.

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Celebração festiva em Chililabombwe, Zâmbia

A beleza dos nossos templos com as suas colunas elevadas ao céu, os seus altares dourados, as suas pinturas e as suas imagens, testemunhas da fé que levam a Cristo, celebram esse amor de Deus encarnado – um Deus que decidiu partilhar a nossa sorte e ser um Deus-connosco, Emanuel. E os nossos hinos e cânticos expressam o nosso júbilo e fazem das nossas celebrações litúrgicas uma festa.

 

Esta dimensão festiva, jubilosa e alegre é mais que evidente nas celebrações eucarísticas em África. Toda a gente canta e louva a Deus com as suas vozes cheias de entusiasmo e de alegria, uma alegria que se manifesta nos movimentos rítmicos dos seus corpos, porque louvamos a Deus com tudo o que somos, corpo e alma.

Em África, a experiência da festa como celebração da vida, da solidariedade e da comunhão é uma experiência tradicional, recebida dos antepassados, e é uma experiência em que todos participam. Na Zâmbia, em dia de festa, há sempre alguém que canta uma canção muito simples: “Nasekela seke, natemwa.” (Eu sorri de contente, eu estou satisfeito; ou Sorri, sorri, estou contente ) E todos se juntam à celebração, cantando e dançando. Há ainda uma outra canção que exprime a alegria da festa e a sua ligação profunda à esperança: Acilakube fi, nga cawama (Sempre assim, como seria bom). Pode soar a melancolia e saudade, mas estas palavras são cantadas e dançadas na atitude de quem espera que isso volte a acontecer, repetindo-se até ao dia em que a festa será permanente.

Ficar alerta

Este Advento de 2017 começa com o aviso insistente de Jesus: Vigiai! (Mc 13,37). Estar alerta é uma atitude essencial na vida. De facto, o estar atento aos pormenores pode salvar-nos a vida ou dar-nos possibilidades extraordinárias.

Nos meus primeiros meses em Moçambique, no pré-seminário de Momola, em Nampula, fui apanhar castanha de caju com os alunos. Estava eu a esticar o braço, pronto a apanhar umas castanhas caídas sobre algumas folhas, quando um de trás de mim grita: Não! Aí tem cobra. Eu fiquei arrepiado e não tinha visto cobra nenhuma. Então, o aluno agarrou num pau e matou a cobra, que estava escondida por debaixo das folhas. O perigo constante para quem tinha de atravessar a floresta muitas vezes aguçava os sentidos e criava uma atitude de alerta constante, essencial para estar vivo.

Watchman.jpgNa Zambia, passei por situações semelhantes. Numa aldeia, onde toda a gente se conhecia, as pessoas eram capazes de reconhecer as pegadas e saber quem tinha passado por determinado lugar. E fui aprendendo a olhar as pessoas nos olhos, que eles são reveladores do coração. Embora haja quem seja capaz de enganar, quase sempre os olhos são como uma janela pela qual se vê o engano. Há um provérbio, que, embora se referindo a situações diferentes, nos revela a importância de prestarmos atenção aos olhos das pessoas: Ukulomba kwa mukalamba, menso (Os adultos pedem com os olhos).

A insistência de Jesus: Vigiai! deve levar-nos a ficar de sentinelas, e antes de mais sentinelas de nós mesmos. Se estivermos atentos às nossas reações profundas, aos nossos sentimentos e às nossas emoções, vamos ouvir muito do que o coração nos diz, e isso vai ajudar-nos também a estar atentos aos outros e à maneira como reagem ao que dizemos e fazemos.

Em Bemba, a língua que eu melhor aprendi na Zâmbia, há um provérbio que diz: Ukuli nsoke, takufwa muntu, ou seja: Onde há uma sentinela (alguém que avise), ninguém morre. O estar alerta vai ajudar-nos a tomar precauções, a prever situações e a preparar-nos para as enfrentar.

E tudo isto a fim de nos prepararmos para a vinda do Senhor, porque ele vai vir, e nós devemos acolhê-lo de maneira digna e respeitosa. Este tempo de Advento é para nos levar a essa preparação, feita na atitude dos primeiros cristãos que rezavam: Maranatha (Vem, Senhor) (1 Co 16:22)

Jesus não se impõe, mas seduz por amor.

Entre os Bembas na Zâmbia, há um provérbio que gostam de repetir: Ubufumu bucindika abene, ou seja O reino respeita os próprios (os donos). E com isso querem dizer que o rei não pode exigir respeito se ele não se respeita a si mesmo e não respeita os outros. Há um outro provérbio que se refere à situação contrária: Ubufumu busheta amenshi, ou seja O reino mastiga a água. Quando o rei pensa que nada lhe é impossível e que até a água consegue mastigar, ele não vai respeitar os direitos dos outros, e vai obrigar toda a gente a obedecer aos seus caprichos, tornando-se um tirano.

XT the King00.pngVem isto a propósito da festa de Cristo Rei, celebrado pela Igreja como Rei do Universo, uma vez que todo o joelho se há-de dobrar diante dele e toda a língua há-de proclamar que “Jesus Cristo é o Senhor!, para glória de Deus Pai.” (Vil 2:11) No entanto, Jesus Cristo é completamente diferente dos reis da terra ou de qualquer Chefe de Estado. Ele não se impõe, dominando e espezinhando, mas seduzindo pelo amor. A comunidade dos que o seguem e que o reconhecem como rei tem somente uma lei: a lei do amor, e é por essa lei que seremos julgados dignos de pertencer à sua comunidade e de constituir o povo que o aceita como Senhor. Jesus afirma-se pelo serviço, não pelo domínio. Ele veio para servir e não para ser servido. Jesus serviu entregando a sua vida em resgate por muitos (Mc 10:45). Por isso, o seu trono é a cruz, e foi na cruz que ele foi proclamado Rei e Senhor. Parece uma contradição, algo que não faz sentido, mas é levantado na cruz que ele atrai a si todos aqueles que experimentam o seu amor (Jo 3:14; 12:32) “Quando tiverdes erguido ao alto o Filho do Homem, então ficareis a saber que Eu sou o que sou e que nada faço por mim mesmo, mas falo destas coisas tal como o Pai me ensinou. E aquele que me enviou está comigo. Ele não me deixou só, porque faço sempre aquilo que lhe agrada.” (Jo 8:28-29)

É o amor de Cristo que nos liberta e nos restaura na nossa verdadeira dignidade humana, a dignidade de filhos de Deus. Por isso, no dia do julgamento, seremos reconhecidos como filhos de Deus, se a imagem de Cristo se mostrar em nós, porque fomos capazes de compaixão, de misericórdia e de amor, à maneira de Cristo. Ou então, seremos excluídos porque o nosso coração nunca se compadeceu daqueles que sofrem e nunca se esforçou por partilhar a sua dor, fazendo algo para a minorar.

“Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.” (Mt 25:34-36)

 

RESPONSÁVEIS PELO NOSSO FUTURO

A parábola dos talentos, lida no trigésimo terceiro domingo do tempo comum (ano A), acentua dois aspetos importantíssimos da nossa vida aqui na terra:

  • a diferença e a diversidade. Há uma grande diversidade no mundo em que vivemos, e essa diversidade facilita a entre-ajuda, a complementaridade, a partilha e a comunhão. Sem a diversidade, tudo se tornaria extremamente fastidioso e seria talents01.jpg mpossível distinguir o que nos rodeia ou dar-nos conta da beleza que está à nossa volta. Não é preciso muito para nos darmos conte de como somos diferentes: homens e mulheres, jovens e velhos, altos e baixos, gordos e magros. Somos diferentes naquilo que cada um é capaz de fazer e na maneira como o faz. Por isso, a parábola acentua o facto de que cada um dos servos recebeu talentos diferentes, “a cada qual conforme a sua capacidade” (Mt 25:15).

Hoje em dia, com a ideologia do género, pretende-se obliterar a diferença entre homem e mulher – uma diferença essencial para a vida e que torna possível o amor e a família. Só podemos contribuir para o bem comum quando cada está consciente da sua diferença e dos dons que recebeu para pôr ao serviço da solidariedade e do bem-estar comum.

  • O compromisso, a criatividade e a responsabilidade. A vida está cheia de riscos e não podemos avançar sem enfrentar esses riscos. Para Deus, é inaceitável a atitude do servo que escondeu o seu talento, enterrando-o para não o perder, com medo do seu senhor, que era exigente e duro. A parábola ensina-nos que cada um de nós e responsável pela sua vida e tem que dar o melhor de si com aquilo que recebeu. Não adianta fazer comparação com os outros, nem ficar cheio de inveja e de ciúme, pensando que Deus não foi justo por sermos diferentes uns dos outros. Afinal, Deus conhece a capacidade de cada um e vai julgar-nos conforme o nosso compromisso e a nossa capacidade de entrega, conforme o nosso esforço. Para ele, conta a nossa atitude mais do que o resultado final do nosso trabalho.

Em Bemba. há vários provérbios que falam da responsabilidade que cada um tem para consigo e para com os outros. Assim, Apali umunwe, e pali ibala; ou seja, Onde se coloca o dedo (a mão), aí está o campo. Aquilo a que se deita a mão é que vai produzir o sustento necessário.  Afinal, nada cai do céu ou, como diz outro provérbio, Tafisa nga meno ya mu kanwa; Nada vem como os dentes da boca. Nada se consegue sem trabalho. E tem que ser um trabalho paciente e constante. Outro provérbio diz: Tafimbwa ulubilo – nada se cava depressa. Se alguém fica rico de repente, duvida-se da sua honestidade. Tal riqueza vem da exploração ou do roubo. Sem duvida, hoje em dia há gente que sonha com riqueza dum dia para o outro e usa os estratagemas mais variados para o conseguir. O dinheiro e a riqueza tornaram-se em ídolos seguidos por multidões, que raramente encontram a paz e a felicidade.

Somos responsáveis pela nossa vida, pela nossa família e pela nossa comunidade e ser-nos-ão pedidas contas do nosso contributo para o bem-estar e a paz da humanidade. Há um provérbio Bemba muito belo que diz: Mwikala apatalala, mwine apatalalika. Onde se vive em paz, o próprio é que faz a paz. Quem quer o bem-estar, a alegria, a felicidade e a paz, não fique à espera que alguém lhas dê, mas esforça-se e trabalha para que sejam uma realidade na sua vida e na vida dos outros.

A SABEDORIA É DOM QUE SE RECEBE

No livro da Sabedoria, é-nos dito que a Sabedoria vai ao encontro de todos os que a procuram. A sabedoria é que dá sentido às nossas vidas e é ela que nos leva a estabelecer laços de amizade e de solidariedade com os outros na comunidade. Em Bemba, há vários provérbios que nos falam da sabedoria e de como estamos dependentes dos outros para a poder encontrar.

WISDOM171333_54_pages_01_88935_656x500.jpgQuem pensa que tudo sabe, sabe muito pouco, e, principalmente não sabe como deve saber, porque, aprisionado no seu orgulho, se afasta das fontes da sabedoria, permanecendo fechado na escuridão da ignorância. É como diz o provérbio Amano uli weka, tayashingauka ikoshi – “A sabedoria, se estás sozinho, não te dá a volta ao pescoço”. De coração fechado, de ouvidos surdos e de olhos cegos, recusando-se a ver e a ouvir, ele afasta-se dos outros e a sua auto-suficiência não é mais do que total insuficiência, porque sozinhos, fechados em nós mesmos, nunca a sabedoria nos envolverá totalmente (ela nunca dará a volta ao pescoço). Se queremos crescer e avançar para a frente é essencial reconhecer as nossas fraquezas e as nossas limitações, ou seja, é preciso aceitar ser pobre.

O pobre é aquele que sabe precisar dos outros para viver, e que humilde, confiada e alegremente se dirige a eles para receber aquilo de que precisa. O pobre reconhece a verdade do provérbio: Umunwe umo tausala nda – “Um dedo não esmaga um piolho”. Sozinho nada pode; e nunca se libertará dessa mordedela constante e atormentadora que o faz sofrer, enchendo-o de angústia e de desespero. Mas, se reconhecendo a sua pobreza, ele estender os braços da súplica ao Deus da vida e da misericórdia, então dele é o Reino dos Céus (Mt 5:2).

Falando de si mesmo, Jesus disse: “Eu não vim por mim mesmo” (Jo 7:28) e “quem fala com a sua própria autoridade procura a própria glória” (Jo 7:18), mas “a minha doutrina não é minha, mas d’Aquele que me enviou” (Jo 7:16). E aos fariseus disse: “Se fosseis cegos, não teríeis culpa, mas uma vez que dizeis: Nós vemos, a vossa culpa permanece” (Jo 9:41).

Sem dúvida que os provérbios da sabedoria bemba não são frases do Evangelho, nem palavras de Jesus Cristo. E é bom estar atento, porque, misturando tudo, pode perder-se a novidade do Evangelho. Por outro lado, eles obrigam-nos a reconhecer que, em todos os tempos e lugares, Deus nunca abandonou o seu povo, mas sempre o iluminou com a luz do Seu Espírito, para o guiar e o salvar.

Amano uli weka, tayashingauka ikoshi – lembra-nos que precisamos dos outros para conhecer a sabedoria e encontrar os caminhos da vida. Mas, por outro lado, a sabedoria não é só um dom que se recebe; ela é também um bem que se procura. Amano, mambûlwa! – “A sabedoria é aquilo que se apanha” (ou seja que se aprende dos outros), porque nos falta e ninguém é seu dono exclusivo.

E então Elias ouviu o murmúrio de uma brisa suave.