Somos irmãos

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Há quem suba ao cimo do mundo,

saltando por cima de tudo,

trepando pelas costas dos outros,

calcando-os e espezinhando-os.

Há quem obtenha a glória do mundo

à custa da desgraça dos outros

a quem explora e escraviza,

lutando pelos primeiros lugares.

Têm fome de aplausos

e sede de reconhecimento.

Como senhores do mundo,

exigem sujeição e obediência.

Encontram-se por todo o lado:

há políticos e homens de religião,

do desporto, da música e do cinema,

todos à espera de serem glorificados.

E ao aplauso da sua glória

juntam privilégio, riqueza e poder.

Perante essa fome e essa sede insaciáveis de reconhecimento, de glória e de influência, Jesus deixa um aviso claro:

Quem se exalta será humilhado! 

Quem se exalta, coloca-se acima dos outros, humilhando-os e desprezando-os. Ele separa-se dos outros, usando-os e instrumentalizando-os, exigindo consideração e respeito. Transforma os outros em servos e sente-se ameaçado por eles, como se fossem seus inimigos. Tarde ou cedo, cairá do seu pedestal e dará lugar a outros que repetirão a sua história.

O orgulho desta exaltação destrói a solidariedade e a comunhão, semeando a inveja, o ciúme e a inimizade.

A palavra de Jesus vem como uma palavra libertadora:

Lembrai-vos que só tendes um Mestre, um Pai e um Guia 

e vós sois todos irmãos.

Só reconhecendo e valorisando o outro é que podemos construir uma sociedade na qual é possível viver em paz.

ESTAMOS BAPTIZADOS EM UM ESPÍRITO

FESTA DE PENTECOST – 1 Coríntios 12: 3-7,12-13

Mais do que nunca, o mundo em que vivemos é um mundo dividido, com nações lutando contra nações e grupos contra grupos. É um mundo cheio de conflitos com cada vez mais violência. E nos nossos dias, muita da violência é feita como um serviço a Deus e em submissão a ele, como se tal deus pudesse ser um verdadeiro Deus. Como é que ele pode ser chamado de Deus Altíssimo, quando exige violência e morte para estabelecer a sua soberania? Tal deus não é diferente do poder do mal, personificado em Satanás, e por isso não pode ser Deus.

Precisamos de solidariedade e comunhão, que possibilitem a paz, uma paz construída sobre justiça e misericórdia. E é isso que celebramos na Festa de Pentecostes, a Festa do Espírito Santo, que incendeia os nossos corações, enchendo-os de amor e permitindo-nos anunciar a boa nova da paz.

A entrega da Torá

A Festa do Pentecostes era originalmente uma festa judaica chamada Shavu’ot ou Festival das Semanas porque ocorria sete semanas após a Páscoa (veja Lev. 23:16). Na festa do Pentecostes, o povo judeu celebra a entrega da Torá, isto é, a concessão da Lei (os mandamentos) que liberta as pessoas e as estabelece como Povo de Deus. Na verdade, não podemos viver em paz e ser livres sem as normas da lei, a Lei de Deus, que não é opressiva, mas estabelece os princípios que nos devem orientar na construção de uma sociedade na qual a dignidade humana é afirmada e respeitada.

O poder de cura do Espírito Santo

HOLY SPIRIT.jpgCom a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, a festa adquiriu um significado novo e mais profundo. O Espírito Santo veio como Consolador, Conselheiro, Curador e Advogado – o Paráclito. Sendo ele que acende o fogo do amor em nossos corações, ele pode curar-nos do orgulho e da auto-concentração, que foi a fonte da divisão. A ruptura e a violência que começaram com a torre de Babel são curadas no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo faz de diferentes nações falando línguas diferentes, um só povo, o novo povo de Deus.

O Espírito Santo traz comunhão

São Paulo, na sua primeira carta aos Coríntios, fala do Espírito como fonte de comunhão estabelecida na diversidade de todos os membros da fraternidade. A primeira obra do Espírito Santo é levar-nos a fé em Jesus Cristo, porque “ninguém pode dizer: “Jesus é Senhor” a menos que esteja sob a influência do Espírito Santo” (1 Co 12: 3). Então, o Espírito Santo dá uma grande variedade de dons, que são dados “para o bem comum” (1 Co 12: 7); eles não são dados para trazer ciúmes e inimizades ou para criar lutas internas dentro do mesmo grupo. “De facto, num só Espírito, fomos todos baptizados para formar um só corpo, judeus e gregos, escravos ou livres, e todos bebemos de um só Espírito.” (1 Co 12:13).

É o Espírito Santo que nos guia e nos fortalece no trabalho da reconciliação, que é o caminho da paz e da comunhão. A comunhão só é possível quando se baseia na diversidade. Se os dons que recebemos se tornam uma fonte de divisões, destruindo a paz e a harmonia, então estamos fazendo mau uso do que nos foi dado,  transformando-os em propriedade nossa, sem qualquer respeito pela orientação do Espírito Santo.

Com o salmista, oremos: “Envia o teu espírito, ó Senhor, e renova a face da terra” (Sl 104, 30).

​A ALEGRIA DE MARIA

O Pedro Chey Dianingama, aluno na Faculdade de Teologia do Porto e membro temporário da Sociedade Missionária da Boa Nova, graceou-nos com uma pintura com o título a Alegria de Maria.

As palavras em Grego – Χαιρε Μαρια – Rejubila Maria – dão o tema do quadro, no qual Maria, a Favorecida do Senhor (Lc 1:28), é apresentadada como a mulher vestida de sol (Ap 12:1) ou como os Pastorinhos a viram, a Senhora mais brilhante que o sol.

 

A ALEGRIA DE MARIA

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Rejubila Maria

– Χαιρε Μαρια –

Ó favorecida do Senhor (Lc 1:28).

 

Calcando a seus pés a serpente

– a grande sedutora que traz

a escuridão e as trevas,

semeando a dor e a morte –

Ela se eleva, subindo aos céus,

envolta num manto de fogo,

mais brilhante que o sol

feito coroa sobre a cabeça,

envolvendo o seu tronco

em forma de coração;

como sol do amor torna-se

o fruto do seu ventre

para na cruz se tornar

o sol da vida e da salvação.

 

Com Maria e como ela,

passando por um mundo

sedutor mas violento,

somos chamados a viver

na luz de Deus que

nos envolve e nos eleva,

uma luz de amor

a incendiar os corações

e a transformar-nos

em imagens do Deus

que é amor.

 

Celebrando cem anos das Aparições em Fátima com a presença do Papa Francisco, é bom lembrar a descrição que Lúcia fez da Senhora:

“Ao chegar, mais ou menos a meio da encosta, quase junto duma azinheira grande que aí havia, vimos outro relâmpago e, dados alguns passos mais adiante, vimos, sobre uma carrasqueira, uma Senhora, vestida toda de branco, mais brilhante que o Sol, espargindo luz, mais clara e intensa que um copo de cristal, cheio d’água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente. Parámos surpreendidos pela aparição. Estávamos tão perto, que ficávamos dentro da luz que A cercava ou que Ela espargia, talvez a metro e meio de distância, mais ou menos.” (Lúcia, Memórias, pág. 173)

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Desejo a todos uma Santa Páscoa cheia das bênçãos do Senhor Ressuscitado.

Nele encontramos a alegria fortalecidos pela esperança

E com ele caminhamos para a vida celebrada no amor e na comunhão.

Aleluia! Aleluia!

A REVOLTA HUMANA CONTRA DEUS

I LENT SUNDAY – Gênesis 2: 7-9,3: 1-7

Sempre que lemos a Bíblia, devemos entendê-la como a falar de nós e para nós. E é assim quando lemos a história de Adão e Eva desobedecendo a Deus e seguindo seu próprio caminho. Nós não devemos gastar tempo a responsabilizá-los por todas as dificuldades que encontramos na nossa vida e no mundo. A história de Adão e Eva não é uma história antiga, mas é uma reflexão sobre as nossas próprias vidas e a nossa própria história. Antes de serem nomes pessoais, Adão e Eva simplesmente significam homem e mulher, isto é, humanidade. O pecado de Adão e Eva é o pecado da humanidade, que é uma condição e uma situação que nos colocam no caminho do pecado. A maneira como Eva foi seduzida é a maneira como nós somos seduzidos e levados a sair do caminho direito, abrindo as portas ao mal em nossas vidas e em nossa sociedade.

O mandamento que proibia comer da árvore do conhecimento do bem e do mal foi dado ao homem antes que Eva fosse criada (Gn 2,17). Aprendendo com Adão, ela se tornou o elo mais fraco que poderia ser usado para introduzir dúvidas e suspeitas. E enquanto ela estava sendo seduzida, ele estava ali ao seu lado, sem dizer nada, esperando obter a mesma coisa que lhe foi prometida a ela, conhecimento e poder. É por isso que Deus começou questionando Adão, que havia recebido o mandamento.

Para seduzir, a serpente usou meias-verdades e exagero, semeando assim a dúvida em seus corações e mentes. Cheios de suspeita, não podiam mais confiar nas intenções de Deus. Porque haveria ele de ter segredos com eles e porque havia de negar-lhes a fruição desse conhecimento? Parecia que Deus tinha uma agenda oculta para eles, ou será que tinha medo deles?

Deus não tinha proibido comer da árvore da vida, mas não o fizeram. O conhecimento e o poder eram mais importantes para eles do que a vida. Possuindo o conhecimento, eles se tornariam donos das suas próprias vidas, decidindo o que é bom ou mau para eles. Eles não precisariam de Deus; em vez disso, tomariam o seu lugar, tornando-se deuses.

É interessante que, em Jesus Cristo, somos chamados a ser divinos, sendo filhos de Deus. Mas a única maneira de alcançá-lo é o caminho de Jesus Cristo, que se comportou como o Servo do Senhor. Seremos deuses por estar em comunhão com Deus, e isso acontece quando somos um com Jesus Cristo, o Filho de Deus. Então, Deus será tudo em nós.

Quando seguimos o caminho da serpente e nos promovemos a deuses, vamos acabar descobrindo que estamos nus, isto é, descobrimos as nossas deficiências e as nossas fraquezas; descobrimos a nossa fragilidade e a nossa mortalidade. O único caminho para a vida é aceitar a sabedoria de Deus, ter um coração atento à sua palavra, colocar toda a nossa confiança em seu amor e misericórdia e proclamar com palavras e atos que somente Deus é Deus.

O pecado de Adão e Eva é a revolta humana contra Deus. Não precisamos de Deus e não o queremos; então deitamo-lo fora e tomamos o seu lugar, ou damos o seu lugar aos deuses criados por nós para satisfazer os nossos desejos e necessidades. Entretanto, Adão e Eva nem sequer foram capazes de satisfazer as suas necessidades básicas; estando nus, não tinham o conhecimento necessário para fazer roupas. Deus teve de fazer roupas para eles (Gn 3:21).

O PECADO HUMANO.026.jpegCegos pelo desejo de ser autónomos e governantes de suas próprias vidas, eles fizeram uma confusão das suas vidas. A sua relação com Deus foi destruída e eles tiveram que esconder-se, sentindo-se envergonhados de Deus e uns dos outros. Eles não aceitaram a responsabilidade por suas próprias decisões, mas culparam a Deus, culparam-se um ao outro e culparam a serpente. Todos os outros eram responsáveis, exceto eles. Eles não reconheceram a sua desobediência e não pediram perdão; nem sequer pensaram em correr para a árvore da vida. Eles preferiam ser seus próprios senhores do que submeter-se e aceitar o dom da vida em comunhão com aquele que é a fonte da vida.

Durante esta época de Quaresma, vamos tentar caminhar com Jesus pelo caminho que o levará pelo sofrimento e pela morte à ressurreição. Com ele, podemos seguir o caminho da fidelidade, encontrando a verdadeira vida e salvação através do único que pode dar vida e salvação.

SÃO CRIANÇAS! NÃO ESCRAVOS!

Josefina Bakhita

Neste mundo em que vivemos, o tráfico de pessoas tornou-se alarmante e é por isso que, no dia de Sta. Josefina Bakhita, o Papa nos pede para refletirmos sobre a escravidão dos nossos dias, em que milhões de pessoas – principalmente crianças e mulheres – são tratadas como objetos de negócio, compradas e vendidas, roubadas da sua dignidade e dos seus direitos e feitas escravas, sujeitas à exploração e à violência.

josephine-bakhitaJosefina Bakhita foi uma escrava que se tornou santa. Era ainda criança, quando a sua aldeia foi atacada, a sua mãe morta e ela levada como escrava. O trauma foi tão grande que se esqueceu do seu nome de infância, sendo chamada simplesmente pelo nome dado pelos  seus donos, Bakhita, que significa afortunada.  Mais tarde, comprada pelo consul italiano no Sudão, foi levada para Itália, onde conheceu o Cristianismo, foi batizada e se tornou uma mulher livre, tendo depois entrado para a vida religiosa.

A história da menina raptada

Ao celebrar a festa de Sta. Josefina Bakhita, veio-me à mente  a história de uma menina Zambiana, que vinha à igreja na paróquia de Lubengele, em Chililabombwe. Um dia a mãe veio com ela a pedir uma missa de ação de graças, porque a sua menina de nove anos de idade tinha escapado das mãos de um sequestrador.

Um dia de manhã, ela ouviu bater à porta e foi abrir. Um homem perguntou-lhe pela mãe e, quando ela respondeu que tinha ido ao mercado, ele apresentou-se como seu tio, irmão da mãe, explicando que era a primeira vez que vinha visitar a família e por isso ainda não era seu conhecido. Sem a mínima desconfiança e cheia de alegria, ela aceitou o convite para dar um passeio, enquanto a mãe estava no mercado. De imediato, atravessaram o bairro e foram para a estrada principal que vai para Lubumbashi no Congo. Apanhou uma boleia e foi até à cidade mais próxima, a vinte e cinco quilómetros. Receoso de passar pelo meio da cidade, desceu e passou pelos bairros mais afastados, tendo entrado num mercado e comprado roupa nova para a menina. Tendo mudado de roupa, entraram de novo na estrada principal e apanharam outra boleia, dirigindo-se para Ndola, a uns cem quilómetros. Quando chegaram, foi para um bar e começou a beber, ignorando a menina que lhe pedia água. As pessoas no bar, dando-se conta de algo estranho, perguntaram-lhe quem era e o que se passava. Compreendendo a situação, chamaram a polícia, que prendeu o sequestrador.

Vendo quão afortunada a sua filha tinha sido, a mãe queria dar graças a Deus pela proteção recebida. Casos como este acontecem um pouco por todo o mundo, pois são muitas as crianças que desaparecem desaparecem raptadas e depois vendidas como escravas, muitas delas tornando-se escravas sexuais ou acabam sendo mortas para vender os seus órgãos ou para usar partes do seu corpo em feitiçaria.

Tráfico humano

Segundo a Wikipedia, “O tráfico humano é o comércio de seres humanos, mais comumente para fins de escravidão sexual, trabalho forçado ou exploração sexual comercial, tráfico de drogas ou outros produtos; para a extração de órgãos ou tecidos, incluindo para uso de barriga de aluguer e remoção de óvulos; ou ainda para cônjuge no contexto de um casamento forçado.

O tráfico humano deu mais de 31,6 bilhões de dólares do comércio internacional por ano em 2015 e é pensado para ser uma das atividades de maior crescimento das organizações criminosas transnacionais. O tráfico de pessoas é condenado como uma violação dos direitos humanos por convenções internacionais e está sujeito a uma diretiva da União Europeia.”

“O tráfico sexual afeta 4,5 milhões de pessoas no mundo e 98% das vítimas são mulheres e crianças.” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Tráfico_de_pessoas)

Os mapas seguintes dão uma ideia da extensão do tráfico humano no mundo.

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AS BÊNÇÃOS DE DEUS PARA O ANO NOVO

FESTA DO ANO NOVO – Lucas 2:16-21

Começamos o Ano Novo na companhia de Maria de Nazaré, a mãe de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Quando ela visitou Elisabeth, ela foi chamada de “mãe do Senhor” (Lc 1, 43), e o próprio Jesus, morrendo na cruz, confiou-a ao seu discípulo amado, isto é, a cada um de nós. No início deste novo ano, em companhia da mãe de Jesus, o Filho de Deus, louvamos ao Senhor e pedimos as suas bênçãos. Na sua vida, Maria experimentou as bênçãos de Deus de forma extraordinária, sendo escolhida para trazer o Salvador, desempenhando assim um papel importante no plano de salvação de Deus. Aceitando a vontade e as graças de Deus, ela “guardava todas estas coisas e as ponderava no seu coração” (Lc 2,19). Em silêncio e humildade, permitiu que o Espírito de Deus transformasse sua vida e a guiasse no caminho da fidelidade. Devemos aprender com ela a confiar-nos às mãos de Deus. Só nele, podemos encontrar paz.

Todos os anos, no início do ano, com Maria ao nosso lado, refletimos sobre o que devemos fazer para trazer a paz a este mundo cheio de violência e ódio. Nós refletimos e oramos, e isso deve nos permitir agir. O ano que acabou de terminar – 2016 – foi um ano cheio de guerras terríveis, que ocorreram principalmente no Médio Oriente. O Estado Islâmico causou devastação não apenas no Iraque e na Síria, mas também na Europa, enchendo todos de medo com seus ataques terroristas, mas eles não são os únicos responsáveis pelas guerras. Na guerra, todos deitam as culpas ao inimigo, assumindo uma atitude de auto-retidão, mas todos usam as mesmas armas de guerra, que destroem, matam e mutilam. Os civis – principalmente as crianças, os idosos e as mulheres – são os que mais sofrem.

Jesus veio como o Príncipe da Paz e pregou os ideais de paz, apontando o caminho para construir a paz. Sendo seus discípulos, devemos nos tornar construtores de paz. E para isso, devemos rejeitar a violência. O Papa Francisco pede “Não Violência: um Estilo de Política para a Paz”. A violência vem do ódio do que é diferente. Com uma atitude de auto-retidão, rejeitamos todos aqueles que não pensam ou se comportam como nós, e nos forçamos sobre eles, até ao ponto de os destruir. Jesus chama-nos para ver no inimigo um irmão ou uma irmã. É melhor perdoar do que vingar. O perdão constrói uma nova sociedade, enquanto a vingança só traz o derramamento de sangue e a morte.

Em nossas vidas diárias, em nossas relações com os outros, devemos trabalhar pela paz. “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9).

No Antigo Testamento, Moisés foi ordenado por Deus a abençoar as pessoas com as palavras:

“O Senhor te abençoe e te guarde!

O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça!

O Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz!” (Núm 6: 24-26)

Aprecie o canto dessas palavras em Bemba, com Anne Lubumbe Katongo cantando:

Imfumu ingakupala no kukubaka.

Imfumu ileke impumi yakwe ilekusanikila,

ikuloleshe luse luse.

Imfumu ikulange impumi yakwe,

ikupele ne cibote.

Um feliz Ano Novo e que Deus vos encha das suas bênçãos.

UMA CRIANÇA NASCEU PARA NÓS!

IMG_1959.jpgDesde há muito,

ano após ano,

de geração em geração,

o anúncio é feito

e espalha-se a alegre notícia:

Uma criança nasceu para nós

e um filho nos foi dado

– aquele que vem cumprir a promesa:

ele é o Príncipe da Paz,

o Salvador, Cristo Senhor.

 

Nele nos alegramos

e todos os povos do mundo

celebram.

Ele vem com a luz

que rompe na escuridão,

enchendo os nossos corações de esperança.

Governando com justiça e integridade,

ele nos libertará,

quebrando os laços da opressão

e destruíndo as armas da guerra.

 

Nele todos os povos rejubilam,

cantando em uníssono

com os coros dos anjos:

Glória a Deus nas alturas,

E paz aos homens por ele amados.

 

 

Feliz Natal para todos.

Que o Menino Jesus vos encha de bênçãos.

 

P. José Guedes

O MISSIONÁRIO VAI DESCOBRIR A NOVIDADE DO EVANGELHO NO MEIO DO POVO A QUEM O VAI ANUNCIAR.

AS SURPRESAS QUE NOS ESPERAM

Durante os 36 ano que vivi na Zâmbia, toquei na vida de muita gente, mas também foram muitos aqueles que tocaram na minha vida, ajudando-me a caminhar e a crescer, guiado pela fé em Jesus Cristo.

O missionário parte e vai proclamar a Boa Nova. E ao fazê-lo, vai ficar surpreendido pelas novidades que vai encontrar. É que o nosso Deus é um Deus de surpresas, ou como dizem os Bembas com quem trabalhei durante os 36 anos que vivi na Zâmbia, Shimwelenganya, significando aquele que é cheio de imaginação.

O missionário partilha do mistério da incarnação. Ele é um estrangeiro e de certa maneira sempre ficará um estrangeiro. Como estrangeiro é sempre um sinal do Outro, daquele que é diferente e que nunca pode ser reduzido ao que nós somos e ao que nós pensamos.

Mas o missionário deve enraizar-se e tornar-se uma árvore nativa na terra que o acolhe. Ele tem de se inculturar, se quer ser fermento, sal e luz, que possam ser aceites, porque ajudam a encontrar respostas para a procura de sentido para a vida.

Para esta inculturação a aprendizagem da língua é essencial. E não é só a língua, mas é também a cultura, os costumes, as tradições. Em Bemba dizem que Isabi likonka apensei. O peixe vai atrás da água. O missionário também de viver nessa água e ser parte desse povo que o acolhe.

No passado, por vezes ouvia-se falar dos Africanos como gente sem cultura e sem moral, a quem é preciso ensinar tudo, para os tirar das trevas e os levar até à luz. Esquecemo-nos de que é sempre fácil, mas também é sempre falso, ver-nos a nós como santos e justos e aos outros que são diferentes de nós como demónios. No fim, diante de Deus, nós é que nos tornamos uns demónios.

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A primeira grande surpresa é a alegria com que nos acolhem, com que acolhem qualquer hóspede. Quando ia à suas casas, sempre me deram do melhor que tinham. Nesse acolhimento, há uma grande atitude de respeito, uma vez que a honra e o respeito – umucinshi, como dizem em Bemba, são muito importantes. Se pensarmos que essa atitude de respeito é subserviência, estamos muito enganados. Os Bembas têm muito orgulho da sua língua e dos seus costumes.

A alegria das crianças e dos jovens são surpreendentes. Não lhes fazem faltam brinquedos, porque de qualquer coisa fazem um brinquedo, e facilmente cantam e dançam. E na dança esquecem de tudo; parece que se esquecem até da fome, quando estão com fome. Lembro-me dum grupo de meninas da paróquia que foram acampar no mato. Andaram uns 25 km e quando chegaram esqueceram o cansaço da caminhada e começaram a cantar e a dançar.

O PODER DA PALAVRA

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Uma das coisas que me impressionou desde o início é a facilidade com que se exprimem e com que falam em público. Muitos deles são oradores natos. E isto aplica-se a todos, desde os jovens aos adultos, os homens e as mulheres.

A palavra e o culto da palavra – o saber falar – são importantes. E quem fala sabe relacionar-se com a audiência. Digamos que são interativos.

OS PROVÉRBIOS

Em Bemba, há muitos provérbios; e eles são juntamente com as cantigas tradicionais como que o repositório da sabedoria povo.

Numa discussão, um provérbio dito na altura própria pode dar a solução. Há uma grande variedade de provérbios, que dão uma resposta às mais variadas situações humanas.

Tachicela kumo. Não amanhece da mesma maneira.

Amano mambulwa – A sabedoria apanha-se (agarra-se, aprende-se)

Amano uli weka tayashingauka ikoshi. Se estiveres sozinho, a tua sabedoria não te vai dar a volta ao pescoço.

Umunwe umo tausala nda – Um dedo só não esmaga o percevejo.

Imiti iipalamene taibula ukushenkana. As árvores que estão juntas sempre se roçam.

Umulimo bashikupele, icilambu lupi – O trabalho que não te deram, a recompensa é uma bofetada.

Omba umo ombela, amenso ya bantu tayalya – Que batam palmas como quiserem, os olhos do povo não comem.

AQUELE QUE VAMOS ANUNCIAR JÁ O ENCONTRAMOS LÁ À NOSSA ESPERA

Vai-se como missionário para anunciar a Boa Nova – para anunciar Jesus Cristo, mas damo-nos conta de que Aquele que vamos anunciar, chegou antes de nós e já está lá à nossa espera.

Por vezes, pode passar-nos pela cabeça a ideia de que Deus só nos revelou a nós os seus segredos, e que nós é que temos a sabedoria de Deus. Mas Deus é o Deus de todos, e cuida de todos, querendo a salvação de todos.

Certamente que na sua cultura – em várias tradições e costumes – se encontra a presença do pecado e do poder do mal – como se vê, por exemplo, no grande medo da feitiçaria que os escraviza, mas em todas as culturas há manifestações do pecado, e em todas as culturas se pode descobrir o poder do mal, que tenta dominar e conquistar o mundo.

No entanto, o que é surpreendente é encontrar tantos valores que manifestam a presença do Espírito de Deus, dum Deus que nunca abandona um povo totalmente a si mesmo. É por isso que a árvore do Evangelho se pode plantar e pode crescer como se fosse em terra própria.

A RELIGIOSIDADE DO POVO

O povo Zambiano – e poderíamos dizer – o povo Africano em geral – tem uma grande religiosidade, quer dizer tem um grande sentido do sagrado. De certa maneira, ele vive rodeado do sagrado. Agora há as grandes cidades, mas ainda há pouco, no tempo dos seus pais e dos seus avós, eles viviam em casas no meio da floresta. E a floresta é a casa dos espíritos. Ninguém podia ir caçar, sem pedir autorização aos espíritos e sem oferecer sacrifícios de agradecimento. Como o sagrado, a floresta atrai, mas também enche de medo e repele.

Deus é visto antes de mais como o criador – Shakapanga – o pai de todos aqueles que fazem, que inventam ou que criam coisas.

Muitos dos cânticos religiosos que compõem são de louvor ao criador, usando palavras de louvor, em que muitas vezes se confundem os fenómenos da natureza com Deus, como quando dizem: Kabengele, nsafya manika, significando em Janeiro-Fevereiro, eu inundo as planícies.

DEUS

Por outro lado, há ditos e provérbios que estão cheios de profundidade teológica que nos surpreendem:

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  1. Lesa talaba iciminine, que significa: Deus não se esquece do que está de pé. E neste caso, o que está de pé não são as árvores ou as casas, mas os seres humanos. Deus nunca se esquece de nós.
  2. Shimwitwa apakakala – Aquele que é chamado em tempos difíceis. Aquele a quem se recorre, quando estamos perdidos e já não sabemos o que fazer ou para onde ir.
  3. Shimwelenganya – Sempre cheio de imaginação e de criatividade, sempre disposto a nos surpreender com a bondade do seu poder.
  4. Lesa malyotola. Ele é o protetor e o defensor, principalmente daqueles que sofrem injustiça.

Mas há um provérbio que diz tudo: Apatebeta Lesa, tapafuka cushi. Onde Deus prepara um banquete, não faz fumo. Esse provérbio é tão significativo que serviu de título ao catecismo que se usava para a primeira comunhão e para o crisma.

Quantas vezes nos sentimos abandonados até por Deus. Não vemos, e Deus parece estar ausente. Entretanto, ele está a preparar-nos um banquete. Quando o tempo passa e olhamos para trás, então é que nos damos conta de que Deus estava fazendo algo importante por nós. Ele é sempre o Deus das surpresas, um Deus que nos apanha desprevenidos.

A MENSAGEM LIBERTADORA DE CRISTO

Já fiz referência ao medo da feitiçaria. É um medo que paralisa e escraviza as pessoas. É um medo que dificulta a iniciativa e torna quase impossível o progresso. Embora considerem Deus como Shimwelenganya – o imaginador, o sonhador, cheio de intuição criativa, o homem esse deve conformar-se. Quem sobressai, quem sai fora do comum, quem faz mais e melhor pode ser acusado de feitiçaria.

Na crença na feitiçaria podemos encontrar várias aspectos que ajudam a compreender o que se espera do indivíduo em relação ao outros:

  • A crença na feitiçaria traduz a procura de uma igualdade radical, onde ninguém pode ter porque eu não tenho. Quem tem muito mais do que eu, é porque usa feitiço e com o feitiço instrumentaliza os outros a seu favor.
  • A rejeição do que é diferente. O diferente é sempre perigoso, e por isso tem de ser exposto e rejeitado. O diferente destrói a harmonia e a convivência. Por isso, não há lugar para experimentar e para procurar alternativas. O caminho é conhecido, e as normas estão estabelecidas. Os mais novos devem obedecer e cumprir, aprendendo dos mais velhos. O conformismo é o único caminho aberto a todos, e o único que é seguro.
  • A recusa de aceitar a responsabilidade por aquilo que aconteceu, que correu mal. Os culpados são sempre os outros, nunca sou eu. A minha pobreza, a minha doença, a minha má sorte, o não encontrar emprego – tudo isso é causado pelos outros.
  • Atribuir-se poderes divinos, em que eu ganho controle sobre a vida dos outros. Só que não é um poder divino, mas um poder maligno, que escraviza, destrói e mata. É o poder do mal ou do mau. Por isso, agora, sob a influência cristã, as pessoas falam muito menos de feitiçaria e muito mais de satanismo. E vêem o poder satânico em tudo. Quem se torna rico é satanista. Quando a vida não me corre bem, é porque alguém me amaldiçoou e me quer mal.
  • Não há morte natural. Toda a morte é causada pela inimizade de alguém, e esse alguém pode ser o pai ou a mãe, o irmão ou a irmã, ou um vizinho. Deus nunca é acusado da morte de ninguém.
  • Esta acusação leva à procura de quem matou. Uma vez encontrado o culpado, é denunciado e excluido da comunidade e da família. Esta acusações destroem aldeias, comunidades e famílias.
  • Esta acusação implica a rejeição da morte e o desejo profundo de imortalidade. Somos mortais, mas não conseguimos aceitar a nossa mortalidade.

Com o problema da SIDA, que afeta principalmente os mais novos, os velhos são acusados de feitiçaria. A sociedade está a passar por grandes transformações, em que as pessoas se sentem perdidas e desnorteadas. Os velhos já não são um ponto de referência e já não são respeitados como eram antigamente.

Há um provérbio que diz: Umukulu apusa akabwe, tapusa akebo. O velho pode não acertar com a pedra, mas acerta com a palavra. Isso já não é verdade. Os jovens querem fazer o seu próprio caminho e consideram os velhos como ignorantes e atrasados. Não só lhes faltam ao respeito como os ignoram.

Aqui a mensagem de Jesus Cristo é uma mensagem libertadora. Cristo é o Senhor de tudo e de todos, mas é um Senhor que não oprime, antes liberta.

As pessoas sentem o poder da oração e dos sacramentais, como a água benta, o sinal da cruz, o terço.

UMA IGREJA POUCO CLERICAL

Na Europa, os fiéis esquema que os padres façam tudo. A maioria tem uma atitude muito passiva.

Na Zâmbia, a Igreja é de todos os seus membros e todos têm uma palavra a dizer. Certamente que o haver poucos padres contribui para isso. Muitas aldeias são visitadas duas ou três vezes por ano. Mas as pessoas reúnem-se para a celebração dominical e preparam gente para o batismo. Em muitos aspetos, a Igreja é muito mais laical e muito mais participativa.

AS ESCRITURAS

As Escrituras têm um papel muito importante na vida das comunidades cristãs, nos grupos e nas associações. As pessoas leem a Bíblia e refletem sobre a palavra de Deus. A espiritualidade é uma espiritualidade bíblica. Talvez devido à influência protestante, as devoções são muito menos importantes do que aqui.

O CASAMENTO

O casamento tradicional era uma das grandes celebrações na família e na comunidade

E não há casamento sem preparação. A família convida os que vão dar as instruções e tem de os recompensar. Os ifimbusa (instrutores) são muito respeitados na comunidade. Foi para mim uma grande honra chamarem-me icimbusa (ou shicimbusa).

Nas instruções tradicionais, a dimensão sexual tinha lugar importante, bem como o relacionamento entre marido e esposa, e o relacionamento com os familiares.

Muitas das danças constituem um celebração do sexo e têm um lugar importante na preparação para o casamento. Por outro lado, à relação sexual era atribuída uma dimensão sagrada, com muitos tabus para a proteger.

 

A SENHORA DA HORA

MARIA,EditFui hoje pregar à Madalena, em Vila Nova de Gaia, na festa da Senhora da Hora; e por um pouco chegava fora de hora, por um engano no lugar. Maria, a mãe de Jesus, é invocada com os títulos mais diversos, todos eles dizendo algo de especial às pessoas que os usam. Mas que significado terá chamar a Maria a Senhora da Hora? Afinal que hora é essa?

Por vezes dizemos: Deixa lá que a tua hora vai chegar. Podemos estar a referir-nos à hora da verdade, em que as máscaras vão cair e todas as mentiras vão ser reconhecidas como mentiras. Ninguém pode enganar toda a gente todo o tempo. A hora da verdade há-de chegar. Ou então podemos referir-nos à hora da vitória, em que se encontra a paz e a felicidade. A dor e o sofrimento não hão-de durar sempre. Ao falar da hora que vai chegar, podemos dar-lhe um tom de ameaça ou um tom de esperança, dependendo das circunstâncias em que o dizemos.

Muitas vezes, falando para nós mesmos ou para outros, dizemos: Já está na hora. E então apressamo-nos, para não chegarmos atrasados. É bom estar quando devemos estar e no momento em que devemos estar.

Falando da hora, podemos referir-nos à hora do julgamento, que pode ser hora de condenação e de castigo. Também nos podemos referir à hora em que Deus ouve o grito das nossas preces e das nossas queixas.

Em Génesis 18:20, é-nos dito que um grande clamor vindo de Sodoma e Gomorra chegou até Deus, e ao ouvir esse clamor, Deus decidiu-se a castigar o povo dessas duas cidades. Para elas tinha chegado a hora da verdade, da justiça e do castigo. Numa atitude ousada e atrevida, Abraão intercedeu por aquele povo, apelando à justiça misericordiosa de Deus. É importante que na hora da verdade e na hora da justiça, alguém tenha a ousadia e a coragem de falar por nós, tornando essa hora de justiça numa hora de súplica.

O Evangelho de S. João, em que a Hora de Jesus tem uma importância especial, apresenta-nos Maria em duas passagens: uma no principio, nas bodas de Caná, e  outra no fim, quando junto à cruz, acompanhou o seu filho até à morte e até à sepultura. Nas bodas de Caná, dando-se conta de que o vinho tinha acabado, Maria pediu a Jesus para encontrar uma solução para esse problema. Apesar de Jesus ter respondido: “Ainda não chegou a minha hora” (Jo 2:4), ele fez o que a mãe lhe pediu. Maria apressou a Hora de Jesus, a hora da sua manifestação pública ou seja da revelação da sua glória (Jo 2:11). Apressando a Hora de Jesus, ela apressou a hora da nossa salvação, tornando-se verdadeiramente a Senhora da Hora. Para João, a Hora de Jesus é principalmente a hora da sua morte na cruz, que ele considera ser a Hora da Glorificação. E é aí que João nos apresenta novamente Maria. A Hora de Jesus tornou-se a hora de Maria. Em silêncio, ao pé da cruz, ela partilha no sofrimento de Jesus, sentindo o coração trespassado (Lc 2:35) pela mesma lança que trespassou o peito de Jesus (Jo 19:34). Foi aí junto à cruz que Jesus entregou Maria ao seu discípulo bem-amado, que não é chamado pelo seu nome, para nos darmos conta de que cada um de nós é o discípulo bem-amado e que Maria nos é entregue como mãe, para que, quando a nossa hora chegar, nos acompanhe e nos receba nos seus braços, como recebeu Jesus. Nessa hora da partida, que a Senhora da Hora esteja ao nosso lado, para que essa hora de dor se transforme hora de paz, e essa hora de morte se torne a hora da ressureição e da vida. É interessante que na Madalena, antigamente, a festa andava associada à festa da Ascensão. Essa hora de que Maria é Senhora é a Hora da Glorificação de Jesus e a hora da glorificação de todos os morrem, mas ressuscitam com Jesus.

Senhora da Hora, acompanhai-nos em todas as horas da nossa vida, mas especialmente na grande hora da partida, para que ela seja também a hora da chegada – à vida e à glória com Jesus Cristo nosso Senhor.

E então Elias ouviu o murmúrio de uma brisa suave.